27 abril 2006

Organizer

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Algo que eu fazia amiúde há poucos anos atrás era aquilo a que chamava "organizar ideias". Bastava-me para tal dar um passeio descontraído a pé, sentar-me no sofá a ouvir música, deitar-me e só adormecer meia hora depois ou ir a um local como este e olhar o horizonte distante.
Actualmente, a par da papelada, dos ficheiros no computador, das coisas da casa, dos projectos futuros, a par da minha vida, não sei o que é organizar o que quer que seja. Nem mesmo ideias...

A vida está puta?

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Vim para descansar. E realmente o corpo está mais relaxado. Já a mente, nem por isso...
Acalmam-me locais como este. Locais donde se vê a linha do horizonte lá muito ao longe.

É noite mas ouvem-se muitos pássaros (gostava de saber identificá-los pelo chilrear). Também eles estarão agitados, doutra forma não se ouviriam a esta hora.

Uma vez mais não estou a conseguir rentabilizar o tempo passado nestas paragens. E mesmo o pouco que preciso fazer fica adiado uma e outra vez... Como aquela conversa que urge acontecer, mas para a qual não estou preparado. Não sei como a começar porque receio como acabará... E a cada dia novas e pequenas revelações vão ajudando a aumentar esse receio.

Reparo que, na realidade, não confio em ninguém. A par de frustado e perdedor nato, tornei-me também desconfiado crónico. Tento não me desculpar com as vicissitudes da vida, mas na verdade alguns acontecimentos têm sido difíceis de ultrapassar e moldaram-me/mudaram-me o carácter.

Não reconheço em ninguém, actualmente, a capacidade de fazer uma observação que eu leve realmente em conta. Seja porque me parecem comentários apenas politicamente correctos, quando abonatórios, seja porque lhes sinto a falta de fundamento, por não conhecerem a história toda, quando se trata de críticas.

Ouvi em tempos um ancião queixar-se: "A vida está puta!" e outro emendou: "A vida é puta!".
Discordo dos dois. Pois se a vida fosse puta, por cerca de 50 euros podíamos ter, pelo menos, meia horita de prazer...

21 abril 2006

O Poço

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Por vezes tenho medo de mim... ainda não há muitos meses atrás estive muito perto de conhecer o outro lado. Um lado que não conhecia e me assustou. Pela primeira vez senti-me muito vulnerável, capaz de desabar.
Não imaginava que o poço fosse tão fundo, a ponto de não se ver o topo, lá de baixo.
Julgo que agora já vou vendo o que se passa no mundo cá de cima. De vez em quando vou espreitando cá para fora, mas a luz ainda é muito forte e a subida foi árdua. Preciso de uns óculos de sol, um protector solar e de recompor as forças. Mas tenho consciência de que voltarei diferente. Só não posso desequilibrar-me, agora que estou quase a sair do poço!

(Escrito a 7/Jun/2005)

Nevoeiro

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À distância de um ano e tal ou talvez dois anos, consigo identificar um dos pontos de viragem...
Estou a ouvir o CD que ela me deu e volto a viver o que vivi então... É impressionante como todos os acontecimentos posteriores a essa data se misturam sem que os consiga ordenar muito bem quer cronológica, quer emocionalmente (e alguns bem mais marcantes)... parece que tudo converge nesse episódio que aparentemente não consegui ultrapassar da melhor forma...

(Escrito a 7/Jun/2005)

Impessoal e transmissível
























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Aquele final de tarde frio, do penúltimo dia do ano foi o ponto de viragem, ou pelo menos ele assim pensou. Ao sucumbir à tentação sentiu-se a pisar um risco que ele próprio tinha traçado. Agora que passaram umas horas tenta recordar a situação ou talvez esteja a fazer mais que isso, agora que passaram umas horas tenta construir a recordação tal como a quer guardar.
A experiência não foi extraordinária. Aliás, essas experiências nunca são extraordinárias. Foi a sensação de proibido que lhe fez imaginar que seria melhor e por isso precisa ajustar alguns detalhes para diminuir o desapontamento. Mas esta é mais uma história para (não) contar um dia.
- Entra. A porta já abriu? - perguntou uma voz feminina, brasileira.
- Não, ainda não. - respondeu ele na entrada do número 45.
- Eu desço já a abrir então.
Ele esperou uns segundos e quando a viu abrir a porta achou por momentos que ía gastar muito mal aquele dinheiro. Seguiu-a, com calma, enquanto ela corria pelas escadas acima e entrou naquele primeiro andar.
- Pode entrar nesse quarto. A menina vem já. - e deixou-o, entrando noutra divisão. Então ele compreendeu que não era com aquela mulata gorda, baixa e que devia bastante à beleza que gastaria os cinquenta euros.
Uma luz vermelha iluminava mal aquele quarto muito quente onde um radiador a óleo parecia estar ligado há horas. Encostada à parede esquerda estava uma cadeira, à direita a cama e duas mesinhas de cabeceira. Na mesinha mais afastada viu um rolo de papel de cozinha, na outra um rádio.
- Percebeu como é? - perguntou ela ao regressar - Inclui massagem, sexo oral e sexo vaginal, como eu disse ao telemóvel.
- Sim, percebi.
- Aqui está ela! Uma gatinha só p’ra você!
- Oi! - disse uma voz meiga. A voz de uma moça nova de tez morena, quase mulata, quase despida que entrou e o cumprimentou com dois beijos nas faces.
Era uma jovem bonita, de cabelos escuros, compridos, ligeiramente ondulados, cujo corpo, maravilhosamente esculpido, vestia apenas duas peças ocres que cobriam os seios e o ventre. Trazia lençóis brancos nas mãos, que pousou na cama, fechou a porta do quarto vermelho e quente e ligou o leitor de CD.
- Tire sua roupa e pouse aí. - disse, apontando a cadeira. E enquanto ele se despia, nervoso, olhava-a despindo-se, apreciando aquele corpo que tocaria e tomaria dentro em breve. A diferença no número de vestuário fê-lo demorar mais a desdunar-se, pelo que ela foi fazendo a cama com os lençóis que tinha trazido. Quando acabaram - ele de despir-se, ela de fazer a cama - os dois corpos aproximaram-se tocando-se levemente.
- Tens um corpo fantástico! - elogiou ele.
- Obrigada. Você já esteve antes com uma gatinha assim linda que nem eu?
- Não, nunca. - respondeu esboçando um sorriso. Aliás, há muito que não estava com mulher alguma, bonita ou feia - se é que o verbo estar é o indicado para o que se descreve aqui.
- Hum, está cheiroso, você! - deixou fugir ela ao beijar-lhe o pescoço, fazendo depois a sua boca percorrer lentamente aquele tronco nú, demorando-se um pouco mais aqui e ali. Por esta altura ele tinha-se-lhe rendido e tentava identificar todos os pontos do seu corpo que tocavam o dela.

(Escrito em Dez/2002)

Cobardia

- Isso é cobardia! – disse-lhe ela.
- Eu sei. – consentiu ele – Mas de momento não me sinto capaz de outra atitude.

E é atrás desta cobardia que ele continua a esconder-se. Assumiu-se como um cobarde e frustrado nato e mostra uma relutância enorme em fugir a essa condição.

Por vezes entusiasma-se um pouco mais que o habitual com uma ou outra ideia nova, mas depressa desiste face à primeira adversidade (mesmo que seja apenas hipotética) e rápida e facilmente encontra uma desculpa para abandonar o novo projecto. Alguns desses desafios prolongam-se por meses ou mesmo anos e, sem lhes dar avanço, mantém-nos como prioritários, usando-os frequentemente para justificar o abandono de outros. Mas quando lhe perguntam em que estado estão os tão afamados e longos projectos, raramente tem novidades, e qual “pescadinha de rabo na boca” tira do saco uns quantos projectos novos que o têm impedido de realizar os antigos...

Há já uns quantos amigos que o vão topando, e das duas, uma: ou deixam de lhe perguntar como vão as coisas, ou se lhe perguntam, rapidamente o interrompem pois sabem de cor o tipo de resposta que ele vai usar.

- Isso é cobardia! – disse-lhe ela.
- Eu sei. – consentiu ele – Mas de momento não me sinto capaz de outra atitude. Da última vez que me fui abaixo senti-me a bater no fundo do poço. Foi muito mau... Não quero voltar a passar pelo mesmo. E por isso não me deixo entusiasmar demasiado com nada. Assim mantenho-me num patamar quase neutro, sem altos nem baixos. Pois quanto mais alto se sobe, maior é a queda, não é isso que dizem? E eu não quero voltar a cair... E o que me assusta mais não é a queda. É ter a noção que não tenho forças suficientes para me voltar a levantar!

- Isso é cobardia! – disse-lhe ela.
- Eu sei. – consentiu ele.