21 abril 2006

Impessoal e transmissível
























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Aquele final de tarde frio, do penúltimo dia do ano foi o ponto de viragem, ou pelo menos ele assim pensou. Ao sucumbir à tentação sentiu-se a pisar um risco que ele próprio tinha traçado. Agora que passaram umas horas tenta recordar a situação ou talvez esteja a fazer mais que isso, agora que passaram umas horas tenta construir a recordação tal como a quer guardar.
A experiência não foi extraordinária. Aliás, essas experiências nunca são extraordinárias. Foi a sensação de proibido que lhe fez imaginar que seria melhor e por isso precisa ajustar alguns detalhes para diminuir o desapontamento. Mas esta é mais uma história para (não) contar um dia.
- Entra. A porta já abriu? - perguntou uma voz feminina, brasileira.
- Não, ainda não. - respondeu ele na entrada do número 45.
- Eu desço já a abrir então.
Ele esperou uns segundos e quando a viu abrir a porta achou por momentos que ía gastar muito mal aquele dinheiro. Seguiu-a, com calma, enquanto ela corria pelas escadas acima e entrou naquele primeiro andar.
- Pode entrar nesse quarto. A menina vem já. - e deixou-o, entrando noutra divisão. Então ele compreendeu que não era com aquela mulata gorda, baixa e que devia bastante à beleza que gastaria os cinquenta euros.
Uma luz vermelha iluminava mal aquele quarto muito quente onde um radiador a óleo parecia estar ligado há horas. Encostada à parede esquerda estava uma cadeira, à direita a cama e duas mesinhas de cabeceira. Na mesinha mais afastada viu um rolo de papel de cozinha, na outra um rádio.
- Percebeu como é? - perguntou ela ao regressar - Inclui massagem, sexo oral e sexo vaginal, como eu disse ao telemóvel.
- Sim, percebi.
- Aqui está ela! Uma gatinha só p’ra você!
- Oi! - disse uma voz meiga. A voz de uma moça nova de tez morena, quase mulata, quase despida que entrou e o cumprimentou com dois beijos nas faces.
Era uma jovem bonita, de cabelos escuros, compridos, ligeiramente ondulados, cujo corpo, maravilhosamente esculpido, vestia apenas duas peças ocres que cobriam os seios e o ventre. Trazia lençóis brancos nas mãos, que pousou na cama, fechou a porta do quarto vermelho e quente e ligou o leitor de CD.
- Tire sua roupa e pouse aí. - disse, apontando a cadeira. E enquanto ele se despia, nervoso, olhava-a despindo-se, apreciando aquele corpo que tocaria e tomaria dentro em breve. A diferença no número de vestuário fê-lo demorar mais a desdunar-se, pelo que ela foi fazendo a cama com os lençóis que tinha trazido. Quando acabaram - ele de despir-se, ela de fazer a cama - os dois corpos aproximaram-se tocando-se levemente.
- Tens um corpo fantástico! - elogiou ele.
- Obrigada. Você já esteve antes com uma gatinha assim linda que nem eu?
- Não, nunca. - respondeu esboçando um sorriso. Aliás, há muito que não estava com mulher alguma, bonita ou feia - se é que o verbo estar é o indicado para o que se descreve aqui.
- Hum, está cheiroso, você! - deixou fugir ela ao beijar-lhe o pescoço, fazendo depois a sua boca percorrer lentamente aquele tronco nú, demorando-se um pouco mais aqui e ali. Por esta altura ele tinha-se-lhe rendido e tentava identificar todos os pontos do seu corpo que tocavam o dela.

(Escrito em Dez/2002)